Pesquisa questiona o papel dos contos de fadas para a formação do que é felicidade na cabeça de crianças

Uma princesa é: magra, linda, bondosa, tem cabelos longos e, é claro, tem um príncipe para chamar de seu. Essas respostas foram dadas por crianças de cinco anos à antropóloga Michele Escoura, responsável por uma nova pesquisa publicada pela USP (Universidade de São Paulo) e FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo). Durante um ano ela estudou a influência das princesas da Disney em crianças e descobriu que as meninas se identificam mais com as personagens clássicas, como Cinderela e Bela Adormecida, as mesmas que ajudam a reforçar estereótipos de feminilidade.

Em sua pesquisa observacional, feita com 200 crianças na faixa dos cinco anos de três escolas no interior de São Paulo, a antropóloga percebeu que muitas crianças, independentemente da classe social, tinham algum material escolar com temática das princesas, de lápis à mochila, e que isso servia para que elas mesmas se reafirmassem para as pessoas como meninas.

Uma das metodologias de pesquisa envolveu a exibição de dois filmes da Disney para as crianças: Cinderela, uma princesa mais tradicional que está sempre à espera de alguém para resolver seus problemas, e Mulan, que tem comportamento mais rebelde e pró-ativo. Ao final da exibição, Michele formou uma roda de discussão com as crianças e percebeu que muitas delas não percebiam a Mulan como princesa porque tinha roupas ‘feias’, não usava maquiagem e, principalmente, porque ao final do filme não ficava claro se a personagem havia se casado. “Elas tinham mais identificação com a Cinderela, sabiam de cor todas as falas do filme. Já a Mulan, que era uma princesa chinesa, poucas haviam assistido ao filme. Quando pedi que elas representassem no papel a parte do filme que elas mais gostaram, uma das crianças desenhou a Mulan com cabelos loiros”, conta Michele.

A problemática estabelecida pela antropóloga é a de que há pouco espaço para aprender a diversidade no dia a dia das crianças e isso começa a se manifestar primeiro dentro de casa. “Quando uma menina nasce tem toda aquela imagem de que ela é delicada, meiga, uma princesinha. Existe um consentimento dos pais em relação a essa ideia, além de uma imposição de mercado que é restritivo: cor de menina é rosa e de menino é azul. Menina gosta das princesas e da Barbie, meninos do Ben 10”, define a pesquisadora.

Disney em transformação

A primeira princesa oficial da Disney foi a Branca de Neve, lançada em 1937. Na década de 50, surgiram Cinderela e Aurora (Bela Adormecida). Somente nos anos 80 e 90, elas voltaram a aparecer com força, com comportamento um pouco mais rebelde e beleza diferenciada. Fazem parte desse time Bela, a sereia ruiva Ariel e a árabe Jasmine.

Foi nessa época também que essas personagens viraram uma franquia da Walt Disney Company, para ajudar a reforçar a marca diante de outros estúdios concorrentes e da tecnologia 3D que começava a aparecer. A partir daí, uma grande variedade de produtos foram lançados no mercado e imediatamente viraram febre entre as meninas.

Nos anos 2000, ao time original de Princesas, foram acrescentadas as personagens Pocahontas, Mulan, Tiana e Rapunzel. Essas com características menos tradicionais e mais pró-ativas. Tiana, de A Princesa e o Sapo, por exemplo, é negra, trabalha para sustentar a família e detesta casamento. Já Mulan cortou os longos cabelos, vestiu a armadura do pai e partiu para a guerra.

Apesar da variedade, a antropóloga Michele Escoura observou que as meninas continuam preferindo as personagens que fazem parte do time mais clássico de princesa.E esse comportamento não é só no Brasil. Uma pesquisa do site oficial da Disney de Portugal revelou que a Cinderela era a favorita das europeias.

Mundo cor-de-rosa

Mas qual o problema da sua filha gostar das princesas da Disney? Ter bonecas Barbie? Adorar vestir roupas cor-de-rosa? Nenhum, se os pais tiverem consciência de que é preciso criar crianças mais abertas a enxergar outros referenciais. Michele Escoura discute que filmes, músicas e produtos não podem ser a única fonte de informação sobre o que é ser feliz. “As princesas da Disney carregam consigo um conteúdo que acaba funcionando como uma restrição da ideia do que é ser humano, enquanto mulher. É necessário garantir que a formação das crianças tenha também outros tipos de exemplos. A diversidade existe, e as crianças devem saber que não há apenas uma maneira de ser feliz, bonita e aceita”, conclui a antropóloga.
 
Para a psicóloga infantil Vera Blondina Zimmermann, da Unifesp, tudo começa com os pais e são eles que devem, antes de mais nada, fazer uma reflexão sobre como estão criando seus filhos. “É difícil perceber onde acertamos ou erramos quando estamos educando, mas sempre cabe a reflexão: ‘o que eu quero passar para os meus filhos? Que valores eu gostaria que eles tivessem? Que tipo de mulher ou homem eu quero que eles se tornem?’. É assim que vamos percebendo se o que estamos fazendo vai ao encontro disso ou não”, reflete.

A não segregação de gênero é muito benéfica, principalmente quando o assunto é brincar. Quando você estimula seu filho a se divertir com vários tipos de brinquedos, dá a ele a chance de desenvolver habilidades que vão ser importantes para o futuro dele, incluindo até a escolha da carreira. Se uma menina se diverte com blocos, ela tem mais chance de conseguir um desempenho melhor se pensar em ser engenheira; se tiver carrinhos, vai desenvolver mais a motricidade e o pensamento espacial e pode ser uma melhor motorista, por exemplo. O menino que brinca com bonecas pode ter mais facilidade para se relacionar com outras pessoas e entender melhor as mulheres. É importante entender que meninos não vão assumir o papel das meninas e vice-versa. Eles vão dividir e isso é muito saudável.

Com a ajuda da psicóloga Vera Blondina Zimmermann, a CRESCER listou quatro atitudes dos pais que podem transformar a criança em uma princesa da vida real:

1) Vestimenta impecável

Quando o assunto é roupa, dois extremos podem ser prejudiciais: deixar sempre a filha escolher o que vestir e impor determinado estilo à criança. Para o primeiro caso, a dica é moderação. É legal usar vestido ou fantasia, mas é preciso um limite, impostos geralmente de acordo com a ocasião. Já para quem acha que o cabelo precisa estar sempre impecável e a roupa bem arrumada, lembre-se: sua filha é criança e, como tal, precisa brincar, pular, correr, se sujar, bagunçar os cabelos.

2) Segregação de gênero

“Isso é coisa de menino”. Perceba se você costuma falar algo parecido ou ressaltar as ações que sua filha consegue ou não fazer. Construir a imagem de que meninos e meninas são duas coisas completamente distintas e que não podem compartilhar as mesmas brincadeiras é reforçar estereótipos.

3) Dependência

Frases como “queria parar de trabalhar”, “seu pai é quem paga as contas” ou “queria ser rica e ter muito dinheiro” saem em momentos de muito estresse ou até em tom de brincadeira, mas cuidado, na cabeça da criança isso pode soar como sinônimo de felicidade.

4) Satisfazer todas as vontades

É difícil não mimar o seu filho, afinal, não há nada mais reconfortante do que aquele sorriso dele ao abrir um presente seu. Mas dar tudo o que a criança pede ou deixá-la fazer tudo o que deseja são atitudes que parecem inofensivas, mas podem gerar pessoas egoístas e mimadas no futuro. Nunca é fácil falar não ao filho, mas as restrições também o ajudam a crescer como ser humano

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